Palavras que Brotam

04 maio, 2009

Get ready, "Set", Go!!


A impaciência com que aguarda o "set" faz lembrar situações em que o pescoço se vira e se estica ao limite para vislumbrar o interlocutor humano de um qualquer encontro marcado. Onda após onda, os passos aprendidos são treinados e repetidos em vagas sucessivas de sensações novas e verdadeiramente refrescantes...ou não estivesse a água a uns escaldantes 15º C.

Um...dois...três:surf! Eis a sequência-chave de um bailado que se quer harmonioso mas que exige vigor musculado, essencial à conquista da mais básica das sensações para os mais experimentados, mas que constitui o autêntico Santo Graal de qualquer aspirante: a conquista de uma posição bípede num pequeno pedaço de fibra. De uma ironia extrema é a sensação de como - de repente - regredimos até à nossa infância ou mesmo ao início da Humanidade e deixamos de ter como garantida uma posição tão natural como é a de estar de pé.

Instável, temperamental, difícil e - não obstante - fonte inesgotável de prazer...a palavra "prancha" só podia mesmo ser do género feminino.

Num instante, pleno de força, aproxima-se o "set", agigantando-se e trazendo consigo as esperadas ondas. Alguém grita, em tom de brincadeira: "Tsunamiiiiii!!!!" A respiração acelera, o corpo salta para a prancha e os braços começam a puxar a água para trás, alternadamente...a lânguida remada torna-se vigorosa, talvez para - respeitosamente - apanhar a boleia da massa de água que cavalga na nossa direcção ou quiçá, apenas para tentar escapar dali o mais rápido possível, dirão alguns espectadores maldizentes.
Marcada hora e o local do encontro, o desfecho é cozinhado em lume vivo: a uma vaga de dimensões consideráveis (pelo menos para o incauto aprendiz), junta-se uma vontade de ir um pouco mais além (tentando apanhar a onda na sua zona de máxima força) e polvilha-se com uma dose de chico-espertismo ("deixa cá ver se consigo" ou algo do género "Kelly Slater, eat this!"). A mistura não tarda a transbordar e deitar por fora, não sem antes - lá do alto - se balbucie entredentes uma expressão lapidar (o sempre oportuno e multinacional "Oh, ssshit!!" ou o mais português, carinhoso e maternal "Mãezinha...!") antes de nos precipitarmos (bem lá de cima) para uma rápida visita pelo fundo do mar, qual pedaço de roupa dentro da máquina de lavar. Um...dois, três. Conta-se agora novamente, mas desta feita, são os segundos que passam, vagarosos, na escura incursão pelo universo subaquático. Refeito da inesperada (seria?) viagem, é tempo de voltar a tentar. Uma e outra e outra vez.
Aprendida a dura lição e retiradas as devidas ilações, retorna a labuta dos passos e da correcta postura que permite os breves os instantes de liberdade tão arduamente conquistada, e - talvez por isso mesmo - tão saborosa. Entre o 25 Abril e o 1ºMaio, aprendeu-se uma nova forma de a disfrutar.

No local de onde partiram as Caravelas, rumo ao desconhecido, descobriram-se sensações, formas de estar na vida, amizades e ganas de repetir a experiência. Surf's up!!






Foto: Praia da Cordoama, Sagres

22 abril, 2009

O rapaz do trapézio...(voa)dor

A génese e filosofia são orientais, embora a paciência não seja uma forte qualidade do...paciente. A avidez com que se engolem degraus, dois a dois, denuncia a chegada em cima da hora e diagnostica que da forma física - apesar de perdida pela já longa paragem - ainda subsistem resquícios, cada vez mais ténues. Tempo agora para retemperar forças e equilibrar yin e yang com vigorosa massagem medicinal, em instável fronteira entre prazer e dor, com maior pendor para a segunda.
A maior calma, à saída do edifício, evidencia progressos musculares e espirituais e permite a apreciação de traços arquitectónicos, pormenores artísticos e resenhas históricas.
Por estes dias, trata-se do trapézio; sem rede, mas com a convicção de que o pior já passou.


Fotos: Ateneu, Lisboa

www.esmtc.pt/

09 abril, 2009

Mudança de Estações

É já no próximo dia 18 de Junho que o Coliseu de Lisboa virá abaixo (esperemos que apenas no sentido figurado:-) com a actuação dos Dream Theater, dando as boas vindas ao Verão, prestes a chegar. Aliando o virtuosismo dos seus componentes - com destaque para o trio composto por John Petrucci (guitarra), Jordan Rudess (Teclados) e o "monstro sagrado" Mike Portnoy (bateria) - à opção por sons pesados mas, contudo, melódicos, os DT são diferentes por opção própria e não apenas porque sim. De dificil etiquetagem - precisamente por não se enquadrarem propriamente em nenhuma corrente mainstream - a sua sonoridade metálica progressiva nem sempre opta pelo mais fácil para o ouvido, antes enveredando por experiências sinfónicas e obrigando-nos a por elas viajar, decantando-as antes de as consumir. Tal como um paladar apurado e sofisticado não se obtem de um dia para o outro, também o ouvido necessitará de alguma persistência para os acordes que ecoarão pelas portas de santo antão. O resultado final será sem dúvida merecedor da energia dispendida e estará à altura das expectativas criadas.
Seja ao som de "Pull me under", "As I am" ou "Home" ou dos covers irrepreeensíveis com que a banda costuma presentear os seus convidados, avizinha-se, pois, um convívio entre amigos de longa data, com ambiente ultraleve em noite de sons pesados! \m/


19 março, 2009

Pater


Ao meu mais querido amigo, ombro confidente, fiel cúmplice e sábio conselheiro.


...Porque hoje é um dia como os outros, mas não digo nem escrevo vezes suficientes, o quanto te amo e o quanto és importante para mim.

11 março, 2009

A Sombra dos Abutres


Rio De ouro, gordo, que corria lá em baixo feito fio de água verde, como o que tinhas ao pescoço. Contorcia-se e abraçava as margens, como tu a minha cintura, feita porto de abrigo do frio que se instalava. A vista, partilhada com as grandes aves que pairavam por cima de nós, cortava-nos a respiração e...por instantes, também elas pareciam extasiadas com a degustação de tão recheado repasto visual, aproveitando a brisa e circulando pelos ares.
Naquele fim de tarde perfeito, nem a sua sombra necrófaga enegreceu o quadro; antes o iluminou, transmitindo-lhe uma aura quase surreal. Também eu ainda pairo naquele instante, na suave brisa fresca da memória.
Naquele fim de tarde perfeito, o cheiro do teu abraço bastou-me para proclamar eterna felicidade e brindar, satisfeito, com os grifos, a suprema simplicidade do amor: a paz do silêncio, a força da paisagem e o teu olhar.
Penedo Durão, Douro Internacional

10 dezembro, 2008

Pé ante Pé

À medida dos pensamentos que nos transportam, assim a aeronave transportava os "divers", desafiando a gravidade a mais de 12.900 pés.
Menos de 20 minutos depois e com excepção de um ou outro espírito menos convicto do passo a dar, as hostes animam-se no instante em que o tecto é alcançado. 12.950 pés. A um passo dos 4 km de altitude, a porta é aberta e o vento fresco saúda-nos.
Esgueiramo-nos para fora do aparelho e aguardamos o encontro com o vazio que nos preencha as medidas. Num instante, o calafrio na espinha; a vertigem da aceleração - tantas vezes experimentada mas nunca saboreada desta forma - invade-nos.
Os gritos, polvilhados de adrenalina e regados de um prazer indescritível, ecoam em surdina nos recantos da atmosfera. O sorriso, esse, é largo da satisfação e ampliado pela deslocação de ar. Ou seria o contrário?
A mais de 250 km/h, a mãe terra espera-nos lá em baixo, de braços abertos para nos receber. Lembramo-nos do pára-quedas e rezamos para que não abra...já! Nada feito. Os 60 segundos de pura alegria são interrompidos por um leve puxão que nos faz acordar e que nos liga - literalmente - à vida. O tempo presenteia-nos com uma magnífica paisagem de dezenas de quilómetros em redor e é agora...tempo de o saborear por uns minutos, antes do suave beijo de reeencontro com o solo. 
Sentimo-nos vivos, é certo...mas menos que uns minutos antes. Libertam-nos do arnês e demais equipamento, mas sentimo-nos aprisionados. A verdadeira liberdade, essa, ficou lá em cima: pairando num sorriso largo, puro. Pé ante pé. 

Sky Diving. Évora, 22-11-2008



19 novembro, 2008

Farinha do mesmo saco

Diga "33!". Eis o slogan de tempos idos, em que se apregoava que as farinhas não eram todas...do mesmo saco. Do produto, ficou o poderoso slogan; na memória, a mítica marca. Sim...porque é de marcas alcançadas de que se fala, por estes dias. Se Cobain, Hendrix ou Morrisson não a conquistaram, outros houve que por ela se ficaram...mas aí, cada um carregará a cruz que bem entenda e dará  - ou não - para esse peditório. Eu cá, não dou! :)

13 novembro, 2008

Solto, o pensamento


Não há trovoada nem nuvem passageira que encubra o sol dos meus dias.
Não há discussão encalorada que sufoque o calafrio da visão da metade que me preenche, da parte que me completa, do líquido que me transborda as medidas.
...és tu...és sempre tu no meu horizonte e é rumo a ti que navego.

"O Beijo", Picasso

13 fevereiro, 2008

Píncaros



O sal do suor mistura-se com a água, no primeiro gole ingerido ao passo que a respiração descompassada abranda lentamente com o beeper do heart rate monitor a "queixar-se" da tortuosa subida. Vitória. Silêncio absoluto, apenas quebrantado pelos aviões que passam ao longe e pelos moínhos que captam o vento como nós captamos o Sol e a magnífica vista. Tejo, Arrábida, Sintra...terras de sonhos, lugares de deslumbre agora avistados ao longe, em mais um Domingo de pedaladas fortes.
Foto: Lezírias, Tejo, Ponte Vasco Gama, Arrábida

25 janeiro, 2008

O2

"O pensador", Auguste Rodin

Ar! Precisava de ar fresco. Inspirou profundamente e procurou expirar na mesma medida, em vã tentativa de dar o mesmo destino à tristeza que o apoquentava. Instintivamente, procurou o bloco que jazia no fundo do porta-luvas do carro e recuperou-o, puxando-o para si e encostando-o à testa.
Espartilhado entre sensações e sentimentos contraditórios, estava incapaz de comunicar sem ser através da caneta, agora debilitada pela pronunciada ausência. Cansaço. Sentia um cansaço imenso, próprio de quem havia vindo a carregar o peso de uma culpa que não lhe pertencia, mas que - ainda assim - lhe faziam transportar. A fadiga tinha-se vindo a instalar em cada poro da sua pele, qual nuvem negra cobrindo o azul da espontaneidade...qual pedregulho esmagando o solarengo jardim de emoções em que havia dançado vezes sem conta com o seu par.
"Poderia um ateu sentir descrença?" O ridículo da questão que o assolou provocou-lhe um efémero sorriso...pouco mais que um mero e reflexivo esgar que logo voltou a dar lugar ao semblante esfíngico, compenetrado e ausente. A pressão da perfeição esmagava-o e um mar de palavras mitigadas no qual também já não conseguia navegar parecia engoli-lo. Era um pouco como se, por mais vento que soprasse na vela, nunca fosse suficiente para prosseguir viagem a contento dos tripulantes.
"Não deveria ser tudo mais simples, mais espontâneo, mais leve, mais...pacífico? Não deveríamos dar mais graças pelo muito que temos e não deitar tudo a perder pelo pouco que nos falta?", pensou. As palavras que se soltavam no bloco de notas não lhe devolveram resposta, apenas o espírito decidiu remexer o baú de memórias musicais e devolver à vida aqueles acordes e letra profusamente ouvidos em tempos.
Bingo! A música simples e despretenciosa, na voz rouca de quem escreve e canta como quem conta uma história, fizeram-no cerrar os olhos. Sem forças para continuar a navegar naquele mar de discórdia - em que ondas revoltas desconfiam da própria espuma que criam ao embater na embarcação - deixou-se ficar. Há momentos assim, em que o vento sossega, o motor pára, os braços doridos não conseguem remar mais e o barco...acaba por soçobrar ante o exigente oceano.
Como a areia que se esvai por entre os dedos, quando demasiado apertada...como o pássaro que escapa para longe quando não o deixam voar...como as palavras e os sentimentos sufocados, perante a pressão de mais e mais e mais, assim a Natureza - a humana e a outra - tem os seus equilíbrios e escapes. "E ainda há quem não perceba isto!", exclamou para si.
Estava a fazer-se tarde. Muito tarde. A temperatura havia baixado. Muito. Era tempo de regressar ao louco corropio do Mundo, à vida que não pára, à busca do santo graal chamado felicidade...com cuidado, para não entornar o cálice. Um passo em frente ou dois passos para trás?

ONE STEP UP, TWO STEPS BACK

"Woke up this morning my house was cold
Checked out the furnace she wasn't burnin'
Went out and hopped in my old Ford
Hit the engine but she ain't turnin'

We've given each other some hard lessons lately
But we ain't learnin'
We're the same sad story that's a fact
One step up and two steps back
Bird on a wire outside my motel room
But he ain't singin'
Girl in white outside a church in June
But the church bells they ain't ringing
I'm sittin' here in this bar tonight
But all I'm thinkin' is
I'm the same old story same old act
One step up and two steps back
It's the same thing night on night
Who's wrong baby who's right
Another fight and I slam the door on
Another battle in our dirty little war

When I look at myself I don't see
The man I wanted to be
Somewhere along the line I slipped off track
I'm caught movin' one step up and two steps back
There's a girl across the bar
I get the message she's sendin'
Mmm she ain't lookin' to married
And me well honey I'm pretending
Last night I dreamed I held you in my arms
The music was never-ending
We danced as the evening sky faded to black
One step up and two steps back"

Copyright © Bruce Springsteen (ASCAP)

26 novembro, 2007

Xaraz

Aqueces-me o coração. Aprisionado em ti, no frio dos dias livres que passo contigo, ruboresce de calor e alegria...mesmo quando confrontado com o gelo dos teus pés. :)

Explosão ensurdecedora de boas sensações no silêncio da paz das alturas, é assim que ouço o que me segredas e exulto, com as planícies e o Futuro à nossa frente. Com vagar...como o local impõe e a mente pede; que dias como este deveriam passar lentamente...ao ritmo suave da ave, pairando sobre o vento e contemplando a vida, lá em baixo.




Foto: Planície Alentejana, Monsaraz

30 outubro, 2007

Spaces in between


Na expectativa de um novo ciclo, lugar aos pequenos grandes momentos. Deleita-se o olhar do alto do fim de tarde lisboeta, afaga-se a fome ao de leve e aplaca-se a sede, na companhia de convincente néctar e companhia certa.

Na mudança da hora, acertam-se ponteiros...




18 outubro, 2007

"Link" my balls


Toda a vida é feita de mudança. Há ciclos que se iniciam e outros que se encerram; caminhadas que se juntam e se separam; destinos que se seguem, encruzilhadas que aparecem, obstáculos que se transpõem.

Num momento de mudança, equilibra-se o balanço que se faz, desponta a nostalgia dos momentos passados, verdeja a esperança num futuro melhor. Largam-se os "atalhos", abraçam-se os "intervalos", a preencher com vontade, emoção e garra. Guarda-se as amizades e os bons momentos passados, descarta-se a mágoa por algumas situações vividas e segue-se em frente, que a vida...a vida só tem esse sentido e só faz sentido dessa forma: em frente!

"Everyday is a winding road..."

Photo by Saphira: Fire Park Valley, Deserto do Nevada

14 outubro, 2007

Tinta da China

O Sol vai baixo, escondendo-se atrás da ponte e fazendo brilhar as catenárias do caminho-de-ferro. Postal triste, este que consulto no expositor deste dia. Não o quero comprar. Afago a porta do carro enquanto este se desloca, rumo ao início de todas as coisas e turva-me o olhar, as lágrimas que dispendo, assim como por vezes me turva o pensamento, o amor que não negoceio. Por ti.
Os dias passam. Escrita indelével que não podemos apagar, por mais que queiramos. Há momentos que ficam...uns bons, outros nem tanto. Nesta viagem que se escreve, sem que uma qualquer borracha possamos usar, por vezes há que consultar mapas, pedir indicações ou mesmo recomeçar do check-point anterior. Na dúvida sobre qual o melhor caminho, salva-se a certeza do destino ambicionado. O carro segue a sua viagem. O Sol vai baixo. O céu limpo e azul contrasta com o rosto carregado e a alma cinzenta. Amanhã será melhor.

27 setembro, 2007

Tem dias!


Há dias assim, em que nos sentimos extra-terrestres...figuras etéreas, pairando...
Estranhos a tudo e a todos, estranhamo-nos a nós mesmos e nem o nosso corpo nos parece compreender.
Há dias em que só nos apetece fugir para um lugar em que ninguém nos possa encontrar...apenas para ficarmos sozinhos e nos descobrirmos a nós próprios.
Nas alturas em que as profundezas são visitadas, uma música paira no ouvido, entranha-se no pensamento, acompanha as deambulações da alma, veste o estado de espírito, absorve e concentra o raciocínio...

"Wait in line
'Till your time
Ticking clock
Everyone stop

Everyone's saying different things to me
Different things to me
Everyone's saying different things to me
Different things to me

Woooohh
Do you believe
In what you see
There doesn't seem to be anybody else who agrees with me

Do you believe
In what you see
Motionless wheel
Nothing is real
Wasting my time
In the waiting line
Do you believe in
What you see

Nine to five
Living lies
EverydayStealing time
Everyone's taking everything they can
Everything they can
Everyone's taking everything they can
Everything they can

Woooohh
Do you believe
In what you feel
It doesn't seem to be anybody else who agrees with me

Do you believe
In what you see
Motionless wheel

Nothing is real
Wasting my time
In the waiting line
Do you believe
In what you see

Ah and I'll shout and I'll scream
But I'd rather not have seen
And i'll hide away for another day

Do you believe
In what you see
Motionless wheel
Nothing is real
Wasting my time
In the waiting line
Do you believe
In what you see

Everyone's saying different things to me
Different things to me
Different things to me
Different things to me
Different things to me

Everyone's taking everything they can
Everything they can"

In the waiting line - Zero 7
imagem: Sem Título, Keith Haring, 1981

23 agosto, 2007

Dia bom



Olho-te, enquanto dormes. Hesito em te tocar e apenas te devolvo o leve sorriso em finos traços de sonhos que me ofereces, ainda que tu não me devolvas o meu braço que - soterrado em doces embalos - jaz, debaixo de ti, sem reacção ou formigueiro de vida. Com a mão que me resta, coço de baixo para cima, a barba por fazer que - incrustada na face e em tons levemente alvi-negros - me vai lembrando que o tempo, afinal, passa - inexorável - ainda que a gillette não passe por estas bandas há algum tempo.
Lá fora, o Eléctrico anuncia a sua chegada, qual expedição de salvamento que me resgata o braço, no preciso instante em que te mexes e a cortina dançante me vê a soprar um beijo na tua direcção.
O sol vai subindo a parede e a mim...a mim só me apetece descer a tua calçada de pedra nua, passo a passo, sem pressas...mas ainda não. Inclino o olhar para a frente, abro um pouco mais o sorriso para a brisa matinal que a janela expele e sinto que despertas, linda, como a manhã. Fecho os olhos sem sono, mas com vontade. É a tua vez de descobrir o dia que lá fora floresce, o eléctrico que passa, o contraste da minha pele nos lençóis da tua cama, o meu corpo junto ao teu, a felicidade de pequenos momentos como este.
Sinto o sopro de uma frase fresca, nas latitudes do meu ouvido e enquanto abro lentamente os olhos penso como, por vezes, uma expressão pode dizer tanto. É bom viver, por dias destes.

Foto: Carris

www.carris.pt



17 agosto, 2007

Engenharias Marginais

Sentado na barcaça de transporte de materiais para o rio, o engenheiro bebia mais um trago da cerveja oferecida - instantes antes - pelo pessoal do estaleiro. Esperava e exasperava - em vão - pela resolução da avaria do satélite que lhe havia de transmitir as coordenadas correctas para a implantação dos pilares principais da ponte que procurava construir. Olhava a jusante, procurando um ponto de apoio, mas a neblina - que teimava em persistir - impedia-o de o fazer. De tal forma era, que por vezes tinha a sensação de que ele próprio é que não tinha capacidade de enxergar, cego que estava pela sua abnegação à causa de unir as duas margens. Afinal de contas, era tudo o que desejava. Castigado pela fria brisa que soprava rio acima, aconchegou a gola do blusão ao pescoço, assolado por questões que pareciam ultrapassá-lo, não obstante todo o seu empenho.
"As águas podem ser turvas; as correntes, perigosas; os ventos, fortes e gélidos; os solos, arenosos e movediços e a zona, sísmica. A todos os desafios se pode dar resposta; a todos se pode enfrentar com o sorriso intrépido da determinação vincado na face e a vontade férrea de estreitar laços...mas como construir pontes, quando uma das margens insiste em mover-se e afastar-se da outra? E - por mais flexivel que se procure construi-la - haverá estrutura que resista?"
Foto: Lusoponte
Ponte Vasco da Gama: Viaduto Central, Colocação da primeira viga

03 agosto, 2007

Onda Média


O barulho das ondas embalava-o, aconchegado que estava na sombra feita cama e tendo a suave brisa como coberta. O queixume de uma criança ecoava, ao fundo, sem que conseguisse ou sequer tentasse decifrá-lo. Suspirou fundo. O dia amanhecera belo e ele tinha decidido aproveitá-lo na sua plenitude, logo desde as primeiras horas de sol.
Lançou o olhar semi-cerrado - próprio da languidez do momento - à mochila e ao moleskine que, lá dentro, aguardava pacientemente nova vaga de palavras, fossem elas contar sumarentos capítulos, descrever interessantes ficções ou simplesmente desfiar pequenos novelos de nadas...momentos non-sense de aparente despreocupação e paz.
Apeteceu-lhe escrever. O dia sorria-lhe e a companhia proporcionava agradáveis gargalhadas, de quando em vez. Apenas a ausência daquele olhar (de quem guardava já saudades), o impedia de tocar a perfeição. Voltou a inspirar o ar de maresia, pousou a caneta e abandonou novamente o corpo ao embalo das ondas. Afinal de contas, havia ainda que pedalar mais 45 km de regresso a casa. Nada que o assustasse ou fizesse esmorecer a beleza de um dia que, para ser perfeito, só lhe faltava a suave convivência daquele sorriso inebriante, de mão entrelaçada na areia e pontual queixume...como o da criança, ao longe, que se havia finalmente silenciado, devolvendo ao mar a palavra, num discurso que fazia sonhar.

24 julho, 2007

Viagem de Fé

Mapa Mundi, de Ptolomeu
«Fé é o mesmo que acreditar ou confiar , geralmente por questões emocionais; por algum motivo geral ou pessoal, por alguma razão específica ou mesmo sem razão bem definida(...)», in Wikipédia

«Fé
s.f.
do latim fide, confiança
(...)
crença, convicção em alguma coisa ou alguém(...)», in Texto Editores

Quero que me descubras, enquanto me perco nos trilhos da tua pele e sorrio perante os caminhos que imagino percorrer em ti.
Quero navegar-te, instrumentalizando as minhas mãos e os teus olhos, quais astrolábio e estrelas, numa viagem ás profundezas do teu ser.
Quero descobrir-te; passar a prova(ção) nos mares revoltos dos teus humores; atingir a paz estratosférica dos teus carinhos e nela ficar a orbitar...
Quero que acredites. Quero que no meio da incredulidade que marca os dias que vivemos, no meio da descrença que o Mundo nos inspira, em redor das desconfianças que outros instigam...acredites nesta viagem; não como um qualquer dogma de uma qualquer religião, mas apenas com a fé com que a sinceridade e expontaneidade de pequenos nadas nos pode bafejar.
Enfim, quero-te.




09 julho, 2007

A praia pode esperar


Uma semana antes das tão ansiadas - e por diversas vezes comprometidas - férias, o reencontro com as quentes areias e frescas águas foi de novo adiado. Desta feita, o bronze da pele e os óleos solares cederam perante os óleos, os gessos, as telas, o ferro e muitos outros materiais utilizados na concepção das inúmeras obras de arte arrecadadas por Joe Berardo, na sua vasta colecção patente no CCB.
Se nas zonas dedicadas à arte minimalista e ás correntes de Warhol e companhia, o exercício de procurar manter o espírito aberto a outras formas de arte foi testado ao extremo em algumas peças visionadas (e ainda assim algumas vezes com claro fracasso), foi no piso intermédio que a atenção se prendeu e os sentidos mais reagiram, perante a área dedicada aos surrealismos. Ainda que as duas obras de Picasso estivessem confinadas a um estreito e sombrio corredor de passagem, o que só se pode justificar pela tentativa de limitar os tempos de paragem e contemplação dos visitantes - e ainda assim, é criticável - foi tempo de alargar um pouco mais os leigos conhecimentos, descobrindo algumas interessantíssimas obras de outros seguidores desta corrente artística, como Magritte ou Dominguez. Oportunidade ainda para vislumbrar importante espólio fotográfico do magnata, lamentando não ter a oportuna companhia de amizades mais versadas na área e que certamente poderiam dar uma perspectiva mais enriquecedora do que se observava.
A procura auto-didacta do conhecimento artístico vai-se procurando fazer assim: um tactear despretencioso e um olhar genuíno, contemplando o grotesco e o belo, sempre com sede de conhecer mais.
"O Beijo", Óscar Dominguez(?)

05 julho, 2007

Corrente Ascendente


Voo ao teu encontro para me aninhar em ti...porque me queres tu cortar as asas?
Alimento-me dos nossos sentimentos um pelo outro...porque me ofereces as migalhas das tuas incertezas, o veneno dos teus medos?
Aqui me tens. Sem restrições, sem jogos, sem dúvidas, sem mácula. Apenas para ti. Porque me afastas tu?
Não tenho medo. Não tenho medos. Derroto, destruo, esmago quem ou o que me aparecer pela frente. Combato exércitos, venço batalhas, ganho todas as guerras...apenas não as posso travar sozinho. Preciso de ti a meu lado...
Julgamentos? São para os réus. Nós apenas somos testemunhas do que cresceu entre nós.
Mais certezas? Talvez apenas a da nossa derrota, no dia em que finalmente voar para longe, com o olhar turvo, a garganta seca, pejada de lágrimas e as asas cortadas, num vôo rasante que me leve de volta às frias e espessas paredes da indiferença, ás alturas seguras do sentimento mediocre e comedido.
Digo, faço, sinto, demonstro. De que mais precisas? Que mais posso eu fazer para que venhas ao meu encontro e te juntes a mim na caminhada da vida? Anda...afasta essas nuvens negras e vem para aqui.
Alcança-te. Alcança-nos. Ultrapassa as barreiras. Excede os limites. Quebra as regras. Abre as asas. Voa comigo.
"A oferenda", Picasso

30 junho, 2007

Metalli"K"a

\m/
Perdida a actuação dos Stone Sour em prol da exigente vida laboral, foi já ao som das guitarradas de Joe Satriani que se procurou aplacar a fome e a sede trazidas para dentro do recinto. A noite caiu, ventosa, questionando o porquê de - uma vez mais - se ter trazido apenas uma t-shirt vestida. Num verdadeiro concerto para conhecedores, os Metallica brindaram a assistência com quase 3 horas de um espectáculo poderoso, mesmo para aqueles a quem os acordes mais pesados não dizem muito. Esquivando-se a alguns temas julgados incontornáveis por muitos, a banda californiana foi verdadeiramente "ao baú" retirar inúmeras canções dos primeiros álbuns que fizeram as delícias dos mais ferrenhos e puristas adeptos destes monstros do Metal.
Tende-se a esquecer que as bandas são compostas por músicos e que estes são pessoas como nós, com qualidades, defeitos, alegrias, tristezas, dias bons e menos bons. Não colocando em causa o profissionalismo nem o virtuosismo da banda, diria que no Rock in Rio os Metallica estiveram ao seu mais alto nível, fruto, quiçá, da - ainda maior - moldura humana ou de um dia mais inspirado, ao passo que no Super estiveram em noite mais...contida. Terá sido a conjugação do factor humano (músicos e público) a fazer a diferença (a tal diferença que faz com que os concertos sejam momentos mágicos e não haja dois iguais) ou apenas um certo...dispersar de atenções por parte de um ou outro membro da assistência a provocar esta impressão? :-). Certo, certo é que o tempo foi dado por bem empregue e nem o vento estragou o momento. Afinal de contas...nothing else matters! :-) \m/

25 junho, 2007

Horizontes...

Guardo o teu sabor nos meus lábios e o teu cheiro nas minhas mãos...guardo-te no meu espírito, enquanto aguardo que me guardes em ti e te faças minha, da mesma forma e proporção que eu já sou teu.
Guardo na alma a esperança da tua velhice, o sorriso do teu rosto na minha face e o doce do teu olhar no meu. Tudo. Quero guardar tudo e nada mais que isso...porque é isso mesmo que te ofereço. Porque é apenas isso que desejo dar e receber: a plenitude de ti...uma paisagem a perder de vista, onde possa espraiar o meu amor, espalhar o meu carinho, estender a minha mão...onde guardo o teu cheiro e te ofereço o meu coração.


"Bailarina posando para fotografia", Degas

17 junho, 2007

Certezas

Não procuro o conforto da mediocridade certa, mas antes a certeza do verdadeiro amor.
É a ti que me ofereço, em chamas, chagas...à flor da pele.
É em ti que deposito o meu coração.
Cristall Falls, Vancouver Island

"Quero ir ao fundo do sonho,
quer seja poço ou clareira,
fonte ou réstea derradeira
de esperança.
Quero saber todas as coisas que há para ver,
mesmo as que fazem sofrer,
como eu sei.
E logo deixar de lado
a ilusão
como pedra que se arrasta
e nos parte o coração."

Guy Lucas

12 junho, 2007

Alterações Climáticas



Ouvia-lhe a voz e sentia-lhe o timbre das palavras na garganta, plenas de intensidade.
A uma ténue linha de distância, cada som proveniente daquelas cordas vocais soava-lhe a acordes de uma melodia que ainda não conhecia muito bem, mas que definitivamente lhe tinha ficado no ouvido e no coração. Eram meros decibéis, mas - emitidos em determinada frequência - pareciam ter tido poder suficiente para atravessar as paredes que tinha erguido diante de si, por mais bem isoladas que as julgasse ou por mais bem impermeabilizadas que parecessem estar ao frio na espinha que o calor das palavras dela lhe provocava.
As alterações climáticas no seu espírito haviam provocado um degelo de sentimentos há muito guardados no glaciar da sua alma e estavam agora - sem dúvida - na agenda do seu pensamento.
A curto-prazo, o quente abraço ansiado certamente provocaria uma subida generalizada do nível do mar de emoções que o banhava. Bendito efeito de estufa...

Glaciar Portage, Alaska.
Photo: Gary Braasch

06 junho, 2007

Foco


Ferem-me, os vértices dessa figura geométrica. Corto-me nas arestas desta paixão que - de tão redonda - não consigo explicar por teoremas ou teorias. E, no entanto, demonstro-a, provo-a...mesmo sem te ter provado; Tomei-lhe o gosto agri-doce na boca...ainda antes de ter sentido o sabor dos teus lábios nos meus.
Não pára de me espantar, a fome que tenho de ti e como sorvo cada segundo da tua presença com a sofreguidão de quem há muito não degustava tamanhas sensações. Nessas alturas - em que o tempo voa e o mundo pára - sacio a minha sede, bebendo da palma da mão que recebe a tua. Nesses instantes - em que os teus olhos são o meu universo - nada mais vejo, envolto que estou no manto do teu abraço.
Tudo o resto é ruído, porque no silêncio de um olhar de mil palavras feito, nada mais há do que uma imensa paz, um sorriso de felicidade, uma terna alegria de viver.
"O Beijo", Rodin

29 maio, 2007

E(femme)ra

Corro pela aurora, sentindo o vento fresco na cara e as poucas horas de sono no corpo. O caminho estende-se a perder de vista, ladeando o rio e levando-me para longe. Para trás ficam os problemas, as preocupações, as amarras, as tristezas. Nestes instantes, em que apenas os primeiros raios de sol me conseguem atingir, sou livre.
Os quilómetros passam, voam, na correcta proporção dos pensamentos que fogem do meu controlo e galgam montanhas e atravessam vales para se deterem na tua pele. Respiro fundo a cada passada e imagino-te o cheiro. Apresso-me, sem te conseguir alcançar. O coração bate e a pulsação sobe, entre o suor que me abandona à sorte da tua imagem e a perspectiva da tua presença. Coisa efémera, a liberdade... Pois que - de pensamentos aprisionados em ti - corro de volta para o cárcere, imaginando que são os teus braços que me esperam e o teu regaço que me recebe, numa fresca manhã de Primavera.
"Ciprestes e estrelas", Van Gogh

24 maio, 2007

Chagas (em dor menor)


PENSAMENTO DO DIA - «Se os post-it servem para nos lembrar de alguma coisa, o que usar quando algo - simplesmente - não nos sai da cabeça?»


Sufoco, com a máscara que uso para me esconder...sem saber muito bem de quem e muito menos porquê.

Asfixia-me, esta vontade que tenho de te agarrar num longo abraço de cinema...daqueles genuinamente foleiros, onde - depois de mil peripécias - o plano da câmara sobe e se vai avistando o Bairro que - em peso - nos aplaude, enquanto nós (que nos estamos a borrifar para eles e para a água que nos cai em cima porque a boca de incêndio resolveu rebentar) nos continuamos a beijar, sofrega e apaixonadamente.

Engasgo-me, na torrente de palavras que te quero dizer. E, por isso, calo...calo e sou golpeado por este silêncio que tanto quero quebrar.

Queima-me, este calor que sinto a cada mirada do teu rosto e assusta-me, este descontrole e - mais ainda - o bem que ele me sabe.

Será que sofro? Apenas com as saudades que tenho de te ver...

"Three Ballet Dancers", Degas

18 maio, 2007

Geometrias da Vida


Cabelos escuros como a noite numa pele de lua em que as sardas se espalhavam pelo rosto como grãos de areia num mar de beleza, que se estendia para além da linha do nariz fino. Tinha uma graça própria do sorriso meio envergonhado que ostentava...ou assim lhe parecia a ele.
Esquadrinhava-lhe as formas, sedento de lhe conhecer melhor os conteúdos. Suspirava por cada olhar cruzado e cada tangente em que um virava a cara no preciso instante em que o outro o admirava, sempre de um ângulo diferente. Arquitectava planos, imaginava-lhe as linhas e construía cenários...incapaz de ver as coisas em perspectiva.
Todavia, teve de se conscencializar da inviabilidade dos projectos que havia desenhado na sua mente, quando percebeu que a geometria da vida lhe havia plantado um..."triângulo", no caminho. Procurou refúgio no seu círculo de amigos que o chamaram - tanto quanto possível - para debaixo da alçada da razão. E, contudo - hiperboles à parte - aquela parábola tinha-o deixado triste. Muito triste.
Por vezes (tantas), as mais belas ideias teimam em não sair da maqueta...

Photo: Thomas Mayer

07 maio, 2007

Efeitos Secundários

Trajectos que se cruzaram numa fase irrepetível, mágica, da vida de cada um. Primeiro, são as expressões de admiração pelos rostos há muito não vislumbrados; depois, a descoberta das mudanças de aparência, sejam elas expressas em gramas, kilos, cabelos brancos ou rugas. Por fim, o abraço sentido aquelas amizades que o passar dos anos não enferruja e a ausência não faz desaparecer. Os olhares brilham e os sorrisos soltam-se, desprendem-se dos rostos ainda antes do vinho correr a jorros nos copos que se esvaziam apenas para serem de novo atestados, num vai-vém constante.
Se as indicações sobre os caminhos percorridos nos últimos anos serviu de aperitivo sempre apetitoso, o prato principal estava guardado para mais tarde, traduzindo-se no revivalismo próprio destes momentos. Amores e desamores, professores amados e odiados, conquistas desportivas, quedas e tombos, tiradas fantásticas e memoráveis, comédias e dramas etílicos, risos e choros. Histórias contadas vezes sem conta, por entre gargalhadas expontâneas e emoções puras, imaculadas...como os tempos recordados que já lá vão mas que cá ficaram, na memória e no coração de cada um de nós. Esse "ontem", sempre presente na nossa mente - que tantas saudades deixa e que tanto brilho nos faz chegar aos olhos - será sempre nosso. Apenas se desconfia que os próximos 14 anos venham agravar estes sintomas...secundários :).

"A garrafa de vinho", Picasso

04 maio, 2007

Moleskine

Palavras. Desenhos. Esboços gráficos, pictóricos de episódios reais ou imaginários. Hemingway, Picasso, Sepúlveda...tantos outros! Todos o utilizaram para registar momentos...fossem eles esquiços da vida real ou simplesmente inspirações momentâneas, expontaneidades dignas de nota. Com a ajuda da tinta ou do carvão, liso ou pautado, esteve sempre lá, umas vezes qual barragem abraçando avalanches de criatividade concentradas na ponta de um lápis, de uma caneta, de uma esferográfica; outras tantas como catalizador, condutor de correntes literárias e artísticas menos...electrizantes. Prático, simples, encantador e com algo de misterioso para quem - de fora - observa o seu manuseio, que dele brotem as palavras, semeadas pela caneta e que dele floresça a escrita, adubada pelas emoções.

24 abril, 2007

Vaga(s)


Vagas.
Uma após outra, as vagas sucediam-se, castigando rochedos e cuspindo espuma, num spray atordoante.
Naquela circunstância (como noutras), aquelas vagas (como outras) pareciam desaparecer, preenchendo o espaço vazio por instantes, para depois se esvaírem no vazio, esgotando a energia e imulando-se a si próprias numa fúria destrutiva. "Para tudo há um paralelo na Natureza", pensou.
Sentado de pernas cruzadas ao alto, divagava - com vagar - sobre a magnífica paisagem marítima e emergia de quando em vez da sua meditação, para a contemplar.
A vaga de sensações que o fustigava era tão intensa como a ondulação que - mais abaixo - se encaminhava para si e tão heterogénea como as correntes que a espuma ajudava a delinear.
A vaga de calor anunciada não se concretizara e o vento vagueava por ali, chamando por chuva e impondo-lhe um olhar (ainda mais) austero, a cada rajada soprada.
De dentro do seu coração, uma outra vaga continuava por preencher...pois por maior o furacão de emoções vividas e por mais electrizante a tempestade de sensações experenciadas, nenhuma corrente se havia ainda formado, nenhuma onda se havia ainda erguido, nenhuma espuma se havia ainda vislumbrado naquele mar amortalhado de ideias...vagas.
Foto: Finnish Institute of Marine Search http://www.fimr.fi/en.html

19 abril, 2007

Flor de Pele


Sagrados escritos, aqueles em que confesso os meus mais profanos sentimentos por ti.

E se as palavras pecam por escassas e são parcos espelhos do que sinto, eis que a tua indiferença se reflecte no meu coração, que se parte em mil pedaços e se corta...vidrado que estou no teu regaço.

E se as trevas em que mergulhei não iluminarem o teu âmago, eis que me despenho nas alturas em que me deixaste.

E se agora recusas os ossos, tecidos, músculos, sorrisos, alma que antes chamavas em súplicas, eis que, sem serventia - pois mais nenhuma quero servir - tudo definhará numa longa espiral de tristeza.

E se ontem, hoje, amanhã, depois, sempre, te esqueceres do calor do meu abraço num invernal olhar gélido de indiferença, saibas tu, ao menos, o que mais quero: a lágrima seca da tua saudade, o rebuliço da paz de te ter junto de mim, o reflexo do meu amor nessa tua opaca caixa de pandora onde um dia me perdi.

"After the bath, woman drying herself", Degas

17 abril, 2007

Separado à nascença - Dia 1


Roturas; contracturas; fibroses. Ecografia; ressonância magnética. Massagens; ultrasons; lasers. Termos tornados corriqueiros nos últimos meses. Por entre o corropio das consultas e dos tratamentos de fisioterapia que contrastou com a total e completa ausência de actividade desportiva, houve tempo para refrescar conceitos e aprender um pouco mais sobre os meandros da fisiatria.
Parcialmente debelada a lesão no gémeo externo da perna direita e com alta ainda muito condicionada, é tempo de enfrentar o impiedoso julgamento do espelho e constatar o muito que há a recuperar, para além da capacidade muscular da zona referida. Se o panorama não é agradável à vista, nem tudo são más notícias: a balança noticia pouco acréscimo, muito embora tenha havido uma grande perda de músculo traduzida até num aparente "emagrecimento" para quem observa. Ironias...Como se conclui, a indumentária (quase) faz milagres.
É tempo de reconquistar o bem-estar, aparência e os níveis físicos desejados e procurar aplacar - calma e paulatinamente - a enorme "ressaca" de exercício físico acumulada durante todo este tempo, tentando não ceder demasiado à ânsia para não estragar a recuperação. Se - para já - apenas o BTT na sua versão mais "soft" é opção, a natação e o atletismo continuam a deixar saudades. Muitas.
O dia 1 serviu essencialmente para "abrir as hostilidades" e foi marcado por uma leve sessão matinal de flexões e abdominais que só serviu para confirmar o que há muito se suspeitava: isto está uma lástima e muito pior do que parecia. Medo!! :)
A forma física segue dentro de (demorados) momentos...

12 abril, 2007

1001 Razões


DÚVIDA s. f.,
incerteza em que se está sobre a realidade de um facto, sobre a verdade de uma asserção;
hesitação, suspeita;
objecção;
dificuldade em crer, incredulidade;
cepticismo;
escrúpulo.

Texto Editores


Porque sim. Porque não?
Por Tudo. Por Nada.
Porque há coisas que não se explicam. Porque há técnicas que se aplicam.
Porque ontem foi assim e hoje é "assado". Porque hoje é verdade e amanhã, mentira.
Porque agora estamos vivos e noutro dia podemos estar mortos.
Porque apetece. Porque estremece. Porque não aborrece. Porque...acontece.
Porque desperta. Porque a saudade aperta. Porque a natureza é incerta. Porque nos levamos à certa.
Porque é bom! Porque não é de bom tom. Porque adoro esse teu som...
Poque não me sacias. Porque me arrepias.
Porque faz transpirar. Porque faz sonhar.
Porque faz bem. Porque faz ir mais além.
Porque é que eu não me deixo de merdas?
Porquê? Eu sei lá porquê...

"Mulher com guarda sol", Monet

05 abril, 2007

Calar o Silêncio


Toque...cheiro...sabor, embrulhados num beijo de cama.

Vontade...

Nada mais do que pele cobrindo outra, num leito desalinhado.
Um quarto desmazelado, salpicado com roupa amarrotada, rasgada, misturada com sapatos trocados, lançados, repousando nos mais recôndidos recantos...

Uma cómoda velha, lascada, coroada com uma vela semi-derretida que - servindo de único farol envergonhado na negra tempestade de emoções ao rubro - havia sido constituída testemunha...uma pálida testemunha, ondulando ao sabor das vozes roucas, abafadas, agudas e estridentes que ensurdeceram paredes e calaram silêncios na longa noite que se esvaía lá fora, asfixiada no abraço dos dois.

Sem compromissos, sem palavras, sem arrependimentos, o toque, o gosto, o cheiro e os sorrisos cúmplices foram trocados...num longo beijo de cama.


"Starry Night Over the Rhone", Van Gogh

23 março, 2007

A luz da rua


Mirava aquele dorso despido que - antes agitado pelo rebuliço da paixão - serenava agora. Deitada de lado, de costas para si, ouvia-lhe a respiração pesada de quem dorme profundamente e sonha despreocupada. Hesitou em tapá-la. Olhava-a profusamente, sob a luz difusa que vinha da rua e lhe invadia o quarto, à medida do quadro vivo que lhe invadia os sentidos.

Por breves instantes, sentiu-se em paz num misto de instinto protector e de conquista...um pouco como se fosse o guardião do tesouro que ali repousava e que ele próprio havia tomado para si, repetidas vezes.

À passagem de um automóvel, virou-se sobre si. Os olhos - agora abertos - rapidamente se acostumaram à luz difusa que, entrando pelo quarto, lhe fazia companhia e lhe projectava sombras. Vultos. Desejos dos finos e delicados traços que antes julgou observar. Sob tons amarelados da luz que invadia o quarto, não havia tesouro; nem sequer arco-íris que o anunciasse. A tela estava, afinal, em branco. Vazia de conteúdo...mas pronta a ser pintada .

"Mulher Adormecida", Pablo Picasso

22 março, 2007

Feito ao bife!

A agonizante espera, ante um destino que estava previamente traçado.Ei-lo! Debatendo-se na escaldante frigideira e convenientemente cercado pelos alhos e minado com sal, o pobre bife "gritava" por entre laivos de óleo fumegante e saltitante...




Sem apelo nem agravo...sem salvação possivel: estava frito!



Venham as próximas vítimas.

03 março, 2007

Afinal...não vou


Mares revoltos de pensamentos, tempestades de emoções nem sempre agradáveis, céus de ideias cinzentas, expressados em rosto e sobrolho carregados, materializaram-se em algo menos positivo.

Será a mente um prolongamento do corpo ou o corpo um prolongamento da mente? Certo, certo é que o físico resolveu dar sinal de solidariedade para com os recentes estados de alma. Maleita antiga e nunca bem curada, de castigos desportivos passados, resolveu reaparecer...e em força. O prognóstico é reservado e o tempo de paragem é indeterminado. No horizonte mais próximo, apenas se vislumbra a terrível ausência na prova há muito aguardada e a necessária consulta médica especializada para - de uma vez por todas - juntar corpo e mente na caminhada para longe do mau tempo que os tem assolado...nem que seja - para já - a coxear.
"Shoes", Van Gogh