No Quarto Crescente

A falta de sono invadia-lhe o corpo, juntando-se ao intenso calor abafado que se fazia sentir no quarto. Janelas abertas, as cortinas ganhavam vida, mexendo-se languidamente ao sabor da tímida brisa.
Procurando orientar-se na claridade espásmica da luz de néon da cozinha, resgatou uma água das pedras do frio e empoleirando-se na janela, sentou-se no parapeito, à semelhança do que costumava fazer quando miúdo. Aparentemente, a janela tinha diminuído desde a sua última visita, mas isso não o demoveu da postura contemplativa com que prescrutou o horizonte inundado de luzes, o clarão da metrópole ao fundo e as estrelas, intimidadas com tanta luz, mas ainda assim resistindo e completando o quadro visual.
Distraído, distante, ausente nos seus pensamentos, o líquido escorria-lhe pela garganta e pelo pescoço abaixo, a cada gole, refrescando-os. Chegou mesmo a puxar do tabaco do bolso da camisa, antes de se dar conta que tinha deixado de fumar. Em breve, o seu recanto iria mudar de sítio, a sua vida iria entrar numa nova fase e nada voltaria ao que era.
Para trás ficaria uma vida inteira. Uma pele que estava agora prestes a cair, sucedendo-lhe uma outra e dando sequência a novo estágio de desenvolvimento.