Palavras que Brotam

29 dezembro, 2006

Ouvi Dizer


Que a paixão e o amor não conhecem fronteiras nem distâncias; que estes tudo podem e que o afastamento físico e as separações não ditam o seu fim.
Será mesmo assim? Ganhará o coração ou a racionalidade? Perderão ambos? Perderemos todos?
E se em vez do seu fim, estivermos a falar do seu início, como será? Como seria?
"Les Demoiselles D' Avignon", Pablo Picasso

17 dezembro, 2006

Caixas de Recordações


Caixotes que se amontoam no chão nú, ante paredes despidas.
Pertences pessoais. Testemunhos de um passado vivido. Dossiers com apontamentos, livros, roupas, fotos.
Fotos! As operações de trasfega de material cessam por instantes que parecem breves mas que se revelam prolongados, à medida que se vão desfiando recordações, soltando sorrisos ou pressentindo o quase aparecimento de uma lágrima, tal a variedade de emoções envolvidas e misturadas, no redescobrimento de alguns álbuns semi-perdidos nas gavetas do quarto e nos meandros da memória.
Viagens efectuadas. Amizades graníticas que o tempo não quebra. Infâncias passadas. Amores vividos. Paixões arrebatadoras. Desgostos de parte a parte. Excessos cometidos na juventude, que o aparecimento dos primeiros cabelos brancos não faz apagar.
Suspira-se de emoção, procurando soltar-se o pó e o nó que se acumularam na garganta.
Recordar (também) é viver.

13 dezembro, 2006

Pensamento em Tarde Fria


Penso, logo, desejo. Imagino-te agarrada ao meu pescoço, de sorriso pendurado.
Olhos felizes. Por nada. Por tudo. Cumplicidade estranha esta, que rapidamente se entranhou entre nós. Nos passeios de mão dada. Nas piadas. Nas conversas. Nos silêncios. Na cama!
A tarde está fria e tu enroscas-te no meu casaco, fingindo abraçar-me...ou seria ao contrário? Afago-te o rosto doce e imaginário e subo aos céus. Sei que vou cair na amarga realidade. Mas não já...Logo penso nisso.
"La Pie, Effet de Neige", Claude Monet

06 dezembro, 2006

Garimpo


Paixão. Sentimento raro nos dias que correm. Bem precioso que julgava extinto. Metal raro onde, por vezes, se forja o amor. É bom constatar que - bem lá no fundo - mesmo que por breves momentos e por mais que a mina tenha vindo a ser delapidada, ainda seja possível encontrá-lo.
Fica a esperança sentida de um dia haver a descoberta de um filão...
Photo: Black Hills, South Dakota

01 dezembro, 2006

Travo amargo


Caminhava sem nexo, por entre um emaranhado de pensamentos. Linhas de código, processos funcionais, planos de formação, manuais. Muito a trabalhar, tudo a aprender e o tempo, esse, escorria-lhe pelas mãos.
Por ele, apenas esperava uma plateia de formandos. Ás vezes parecia ver neles juízes implacáveis, sedentos do deslize; da escorregadela no cuspo com que procurava colar conhecimentos.
As noites sucediam-se aos dias que se sucediam ás noites. O débito de sono acumulava-se e o cansaço também. Para trás ficavam as aulas de natação, os passeios de BTT nas manhãs de fim de semana e as participações nas "Meias"; as romarias às lojas de móveis, de electrodomésticos e de colchões. Tudo lhe parecia já estranhamente distante.
A tristeza amarga plantava-se-lhe no rosto, apenas aliviada pelo doce da voz do outro lado da chamada telefónica. Hoje, até isso tinha corrido mal. Bastante mal.
A tristeza era mar e mato e procurou escrever umas quantas palavras...fogachos de um certo estado de espírito que procurava combater, aliviando-se com o desabafo de uma escrita desinspirada e com o adocicado travo do licor com que se presenteava por entre mais um parágrafo desgarrado.
Só lhe saiam frases de merda, pensou. Nada que destoasse muito das últimas semanas de trabalho e do dia que havia acabado de passar. O licor é que ia pagando a factura. Deixa-o pagar, deixa-o pagar...
Foto: "Black Clouds of Monsoon" © K.L. Kamat/Kamat's Potpourri