Palavras que Brotam

24 abril, 2007

Vaga(s)


Vagas.
Uma após outra, as vagas sucediam-se, castigando rochedos e cuspindo espuma, num spray atordoante.
Naquela circunstância (como noutras), aquelas vagas (como outras) pareciam desaparecer, preenchendo o espaço vazio por instantes, para depois se esvaírem no vazio, esgotando a energia e imulando-se a si próprias numa fúria destrutiva. "Para tudo há um paralelo na Natureza", pensou.
Sentado de pernas cruzadas ao alto, divagava - com vagar - sobre a magnífica paisagem marítima e emergia de quando em vez da sua meditação, para a contemplar.
A vaga de sensações que o fustigava era tão intensa como a ondulação que - mais abaixo - se encaminhava para si e tão heterogénea como as correntes que a espuma ajudava a delinear.
A vaga de calor anunciada não se concretizara e o vento vagueava por ali, chamando por chuva e impondo-lhe um olhar (ainda mais) austero, a cada rajada soprada.
De dentro do seu coração, uma outra vaga continuava por preencher...pois por maior o furacão de emoções vividas e por mais electrizante a tempestade de sensações experenciadas, nenhuma corrente se havia ainda formado, nenhuma onda se havia ainda erguido, nenhuma espuma se havia ainda vislumbrado naquele mar amortalhado de ideias...vagas.
Foto: Finnish Institute of Marine Search http://www.fimr.fi/en.html

19 abril, 2007

Flor de Pele


Sagrados escritos, aqueles em que confesso os meus mais profanos sentimentos por ti.

E se as palavras pecam por escassas e são parcos espelhos do que sinto, eis que a tua indiferença se reflecte no meu coração, que se parte em mil pedaços e se corta...vidrado que estou no teu regaço.

E se as trevas em que mergulhei não iluminarem o teu âmago, eis que me despenho nas alturas em que me deixaste.

E se agora recusas os ossos, tecidos, músculos, sorrisos, alma que antes chamavas em súplicas, eis que, sem serventia - pois mais nenhuma quero servir - tudo definhará numa longa espiral de tristeza.

E se ontem, hoje, amanhã, depois, sempre, te esqueceres do calor do meu abraço num invernal olhar gélido de indiferença, saibas tu, ao menos, o que mais quero: a lágrima seca da tua saudade, o rebuliço da paz de te ter junto de mim, o reflexo do meu amor nessa tua opaca caixa de pandora onde um dia me perdi.

"After the bath, woman drying herself", Degas

17 abril, 2007

Separado à nascença - Dia 1


Roturas; contracturas; fibroses. Ecografia; ressonância magnética. Massagens; ultrasons; lasers. Termos tornados corriqueiros nos últimos meses. Por entre o corropio das consultas e dos tratamentos de fisioterapia que contrastou com a total e completa ausência de actividade desportiva, houve tempo para refrescar conceitos e aprender um pouco mais sobre os meandros da fisiatria.
Parcialmente debelada a lesão no gémeo externo da perna direita e com alta ainda muito condicionada, é tempo de enfrentar o impiedoso julgamento do espelho e constatar o muito que há a recuperar, para além da capacidade muscular da zona referida. Se o panorama não é agradável à vista, nem tudo são más notícias: a balança noticia pouco acréscimo, muito embora tenha havido uma grande perda de músculo traduzida até num aparente "emagrecimento" para quem observa. Ironias...Como se conclui, a indumentária (quase) faz milagres.
É tempo de reconquistar o bem-estar, aparência e os níveis físicos desejados e procurar aplacar - calma e paulatinamente - a enorme "ressaca" de exercício físico acumulada durante todo este tempo, tentando não ceder demasiado à ânsia para não estragar a recuperação. Se - para já - apenas o BTT na sua versão mais "soft" é opção, a natação e o atletismo continuam a deixar saudades. Muitas.
O dia 1 serviu essencialmente para "abrir as hostilidades" e foi marcado por uma leve sessão matinal de flexões e abdominais que só serviu para confirmar o que há muito se suspeitava: isto está uma lástima e muito pior do que parecia. Medo!! :)
A forma física segue dentro de (demorados) momentos...

12 abril, 2007

1001 Razões


DÚVIDA s. f.,
incerteza em que se está sobre a realidade de um facto, sobre a verdade de uma asserção;
hesitação, suspeita;
objecção;
dificuldade em crer, incredulidade;
cepticismo;
escrúpulo.

Texto Editores


Porque sim. Porque não?
Por Tudo. Por Nada.
Porque há coisas que não se explicam. Porque há técnicas que se aplicam.
Porque ontem foi assim e hoje é "assado". Porque hoje é verdade e amanhã, mentira.
Porque agora estamos vivos e noutro dia podemos estar mortos.
Porque apetece. Porque estremece. Porque não aborrece. Porque...acontece.
Porque desperta. Porque a saudade aperta. Porque a natureza é incerta. Porque nos levamos à certa.
Porque é bom! Porque não é de bom tom. Porque adoro esse teu som...
Poque não me sacias. Porque me arrepias.
Porque faz transpirar. Porque faz sonhar.
Porque faz bem. Porque faz ir mais além.
Porque é que eu não me deixo de merdas?
Porquê? Eu sei lá porquê...

"Mulher com guarda sol", Monet

05 abril, 2007

Calar o Silêncio


Toque...cheiro...sabor, embrulhados num beijo de cama.

Vontade...

Nada mais do que pele cobrindo outra, num leito desalinhado.
Um quarto desmazelado, salpicado com roupa amarrotada, rasgada, misturada com sapatos trocados, lançados, repousando nos mais recôndidos recantos...

Uma cómoda velha, lascada, coroada com uma vela semi-derretida que - servindo de único farol envergonhado na negra tempestade de emoções ao rubro - havia sido constituída testemunha...uma pálida testemunha, ondulando ao sabor das vozes roucas, abafadas, agudas e estridentes que ensurdeceram paredes e calaram silêncios na longa noite que se esvaía lá fora, asfixiada no abraço dos dois.

Sem compromissos, sem palavras, sem arrependimentos, o toque, o gosto, o cheiro e os sorrisos cúmplices foram trocados...num longo beijo de cama.


"Starry Night Over the Rhone", Van Gogh