Palavras que Brotam

11 janeiro, 2007

Atracção Subterrânea


O colorido do cachecol ficava-lhe a matar, combinando com as cores das linhas do mapa, dispostas em espinha para auxiliar os viajantes menos familiarizados com o traçado e com as estações...Lá em cima era Inverno, cá em baixo estavam em Entrecampos.
Os olhares cruzavam-se, no meio da multidão silenciosa, gritando por algo que os fizesse chegar à fala, para depois se desviarem, procurando outros pontos de observação meramente fictícios. Os corpos pareciam ganhar vida própria e a sua linguagem denunciava-os. Ela enrolava o cabelo de forma atabalhoada e nervosa; ele mexia no lóbulo da orelha, procurando disfarçar o indisfarçável encantamento.
O vício de se olharem nos olhos consumia-os, enquanto procuravam vislumbrar alianças nos dedos um do outro, rezando para não as descobrirem. As luvas dela sabotavam as tentativas sherlockianas para captar um brilho metálico nos seus dedos. "Rai's parta o frio!", pensou ele enquanto fingia consultar - uma vez mais - o mapa da rede do Metro.
A resposta veio duas estações depois, quando ela precipitou a saída para ir ao encontro de alguém que a esperava. Lá estava o senhor do anel, aguardando...
O beijo que ela lhe deu pareceu-lhe algo seco, mas também...a sua opinião poderia ser algo suspeita, admitiu.
Seria a efemeridade de umas quantas estações de Metro, apelo irresistível à atracção mútua? Quantas vezes e quantas pessoas já se sentiram atraídas no decorrer de uma viagem?
A carruagem seguiu. As vidas dos três, também.

20 Comments:

  • Quase diariamente nos cruzamos com alguém que por razão nenhuma nos cativa. Tentamos nesse instante descobrir o que está para além daquele fato. Qual o motivo daquele sorriso disfarçado. Depois pensamos com quem partilhará o sorriso.

    É como eu vir aqui todos os dias e tentar com as tuas palavras desenhar o teu rosto. Tentar ouvir nas tuas frases o tom da tua voz. Por vezes penso se serás alguém com quem me cruzo todos os dias?

    Pensamos sempre que as trocas de olhares e de palavras não passam disso mesmo e esquecemo-nos que existem momentos em que a realidade supera a ficção.

    Quem sabe se um desses momentos não nos apanha desprevenidos um destes dias.

    O teu blog faz-me lembrar o livro do principezinho.

    Um beijo.

    By Anonymous Anónimo, at 11/1/07 14:26  

  • anónima,
    Sim, isso acontece, de facto. Tanto assim é, que resolvi escrever este post acerca disso. :)
    O Mundo está cheio de ironias e a realidade ás vezes ultrapassa a ficção...aliás, se pensarmos bem, a ficção tem de se basear numa qualquer realidade, seja ela mais próxima ou longínqua. ;)
    Pois...quem sabe...?
    Já li esse livro há uns anos, recomendado por uma amiga minha...mas olha que eu não vivo em nenhum asteróide lololol :D (embora, ás vezes, pareça)
    Um beijo

    By Blogger João, at 11/1/07 22:46  

  • Olá meu estimado Amigo. Antes de mais e um pouco atrasado bom ano de 2007. Cada vez fico mais impressionado com a tua escrita, um pouco "triste" talvez, mas como sempre cheia de conteúdo. Para quando a reunião disto num livro, apesar deste blog já ser uma espécie de um. Efectivamente é verdade, o Homem na sua procura incessante do "belo", faz-nos muitas vezes olhar, parar e esperar, sim porque esperar é esperança e esta é sempre a última a morrer. Cá para mim foi assim. Keep going my old friend. Um abraço bem grande. LB

    By Anonymous Anónimo, at 12/1/07 13:53  

  • Realidade: "qualidade do que é real; o que existe de facto; certeza; veracidade."

    Ficção: "Acto de fingir; invenção fabulosa; fábula; simulação; coisa imaginária; fantasia."

    Diz-me tu, poderia esta vida, que pensamos viver e que por vezes até vivemos nela, encarando-a como se fosse real, existir sem estes dois conceitos?
    Há quem diga que não há impossíveis, pois permite-me discordar desta frase iluminada, quem sou eu, mas para mim, passasse da seguinte maneira:
    Ficção/Realidade, existem dias em que eu personifico a própria ficção e recuso-me a descer, fico-me pela fantasia, pelas fábulas que adoro imaginar, fadas duendes, bosques com cogumelos vermelhos pintalgados de bolinhas brancas...

    distanciei-me do tema, sorry, deixei-me levar, sabes, estas definições da "Porto Editora" fazem-me viajar e sair da realidade...

    com tudo isto, é um texto lindo, és um Beaux esprits (definição: belo espírito; pessoa com talento)
    simplesmente adorável, parabéns,

    meijinho

    By Anonymous Anónimo, at 12/1/07 15:43  

  • É realmente algo que acontece com alguma frequência quando andamos nos transportes. É o chamado "flirt".
    Por vezes imaginamos a vida de quem vai à nossa frente, tentamos adivinhar o motivo do sorriso de quem segue ao nosso lado, recriamos a nossa vida ao lado da pessoa que está encostada à porta, enfim fazemos uma história que logo se desfaz quando o transporte pára e cada um segue a sua vida. :D

    By Blogger Lu, at 12/1/07 15:43  

  • Fazes-me lembrar o príncipezinho porque me cativaste, porque o teu blog apesar de estar no meio de muitos blogs é o blog que escolhi para ser o blog que acompanho... um acaso que não parece um acaso.
    Um beijo.

    By Anonymous Anónimo, at 12/1/07 15:48  

  • LB,
    Um grande 2007 tb para ti, amigo.Os elogios dos amigos sabem sempre (muito) bem. Conheces alguém que não saiba bem o que fazer ao dinheiro e queira derretê-lo, editando estes bitaites miseráveis? :D Se souberes...eheheh
    Tenho ideia do que passaste, amigo e admiro a coragem e persistência ;)
    Um abraço

    meijinho,
    Sem dúvida que temos fases, dias, alturas, momentos mais racionais ou de maior "fantasia", como descreves. É o pendor para um ou outro lado que faz de nós mais frios e racionais ou mais impulsivos e sonhadores.
    Obrigado pelas tuas elogiosas palavras!! :) :)
    Beijinho, meijinho

    Luciana,
    Episódio real ou ficção, é uma atracção que tem tanto de intenso, como de fugaz;
    uma imaginação que tem tanto de fértil como de inconsequente...mas será sempre assim? ;)

    anónima,
    Houvesse aqui uma pequena parte do talento de Saint Exupéry (acho que é assim que se escreve, não leio muito) e poderia afirmar que não seria obra do acaso. Assim sendo, acho que é apenas caso de agradecer a sorte de ter sido o escolhido, bem como a tua preferência. Sabe bem saber que conseguimos cativar as pessoas, obrigado. :)
    Um beijo

    By Blogger João, at 12/1/07 17:19  

  • Gostei!Em quantas viagens, em quantos sítios por demais invulgares, há um olhar que se demora e devora entre dois estranhos? Poderia ser o início de muita coisa, mas é o acabar de coissíssima nenhuma.

    By Blogger Eb1Eng.ºDuarte Pacheco, at 13/1/07 11:19  

  • lu@,
    Nem mais! :)

    By Blogger João, at 13/1/07 15:50  

  • Nem sempre é verdade. Os maiores e melhores momentos surgem do inesperado. Sei de amores que começaram com uma simples troca de olhares que se foram repetindo porque ambos mudaram os seus trajectos e horários pelos segundos de excitação em que tinham aquela simples troca de olhares.

    O segredo é estarmos alerta e percebermos os mais pequenos detalhes.

    Um beijo

    By Anonymous Anónimo, at 13/1/07 18:41  

  • anónima,
    Nem sempre, de facto. É essa posibilidade num milhão que nos faz sonhar. :)
    Estar alerta, ter sorte e dar-lhe uma ajudinha também! ;)
    Um beijo

    particula-RG,
    Espero que me ouças bem.
    :)

    By Blogger João, at 14/1/07 15:47  

  • Absinto :
    Não há nada como começar o dia a sonhar (nem que seja com um qualquer estranho -esteja ele no Metro, Comboio, Autocarro mas que tem aquele olhar, ou sorriso..).
    Para frasear os Magníficos ( Xutos & Pontapés) :
    Ele há coisas a acabar
    Mas há tantas a começar
    Ficar atento/Saber usar
    Saber dar tempo/Tempo que não há p'ra dar

    O que importa é continuar a sonhar

    By Anonymous Anónimo, at 15/1/07 13:38  

  • Absinto,
    "...Entre o voltar e o partir, estranha vontade de amar", também diz essa letra do "Pêndulo" ;)
    Será - porventura - essa estranha vontade que faz o ser humano avançar, apesar das feridas e cicatrizes.
    Beijinhos, 'miga

    By Blogger João, at 15/1/07 18:28  

  • A parte do cachecol a matar é a que mais me agrada...
    Mas nesses olhares vivem-se histórias imaginárias que apenas acabam mal quando os olhares se separam… até lá tudo é perfeito.

    By Blogger Sun, at 17/1/07 21:11  

  • sun,
    Sim, porventura, seria daqueles cheios de cores, ás bolinhas!! :D
    Kidding
    Exacto...duram a eternidade de um olhar demorado e a imediatez de um abrir de portas numa estação apinhada.

    By Blogger João, at 17/1/07 23:02  

  • A troca de olhares transportam um misto de descoberta, magia e de talvez...

    Quando são fugazes (e breves) são também leves, porque não incluem o "peso" do dia-a-dia e consequentemente da vida...

    Os olhares (românticos ou não) são uma forma de expressão, tal como as palavras... Podem dar alento ou simplesmente aquele toque na alma (ou no ego).

    Muitas vezes sorri a quem passa na rua numa esperança (quase egoísta) que o meu sorriso possa ter ajudado alguém que esteja à beira do desencanto com a raça humana.

    A mim já me aconteceu ser "resgatada" por alguém (sem género) que me sorriu descontraidamente...

    E já agora um sorriso virtual para todos...

    :)

    By Blogger AR, at 10/2/07 15:39  

  • AR,
    De facto, um olhar estranho que nos agrade é sempre perfeito: não transporta o "peso" do dia a dia e os defeitos de um melhor conhecimento. Bem visto ;)
    Obrigado pela tua visita! :)

    By Blogger João, at 10/2/07 20:19  

  • ...e um sorriso virtual também para ti! :)

    By Blogger João, at 10/2/07 20:21  

  • Muito interessante. Faz-me pensar no que é que ando a perder por quase não andar de metro...

    By Blogger redonda, at 19/4/07 12:37  

  • redonda,
    Exacto! E ainda por cima, os Passes de Metro são baratinhos e tudo! :)

    By Blogger João, at 19/4/07 13:57  

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